domingo, 25 de janeiro de 2009

1968


A sensação que tive, ao ver seus olhos vermelhos, ao me ver espelhado no vermelho dos seus olhos brilhantes, foi a de que não adiantaria nada tentar lhe explicar. Por isso, sem mais alarde juntei cada uma das poucas coisas que eu tinha naquele velho sobrado que alugamos e saí sem ao menos me despedir. Ela realmente não entenderia. Seria mais seguro para mim.
Minha barba por fazer, não pela pressa ou por não querer falar muito com ela, já incomodava, mas seria mais seguro para mim. Olhei para os dois lados da rua por um minuto mais prolongado que de costume e do outro lado um fusca azul me esperava. Coincidência ou não ao longe pude ouvir que tocava Joan Baez e um sentimento de tristeza tomou meu coração. Não bem sei se por ouvir a voz soprano de Baez ou por saber que foi comprando um disco seu que nos conhecemos.
Em silêncio tomamos a Presidente Vargas e em silêncio continuamos ao ver carros de guerra nas ruas do Centro, por todo o Centro. Um segundo de obscuridade naquele instante me levaria ao mais fundo do tempo, descobriria, enfim, que a resposta não está no vento e não tardaria para que se confirmasse o veredicto final: nada seria seguro dali adiante para mim e nem para nós.
Me lembrei do que significava nosso sobrado, o que se fazia no nosso sobrado em noites de fumaça e Marx, onde todos choramos abraçados, meses antes, a morte do comandante – ¡Hasta siempre comandante! ¡Hasta siempre y jámas! – onde sorrimos, nos revoltamos, planejamos futuros agora distantes. Precisava voltar. Não era mais seguro para ninguém.
O fusca parou. Avisaram-me que era caminho sem volta. Apenas ouvi o motor roncando e distanciando-se. Tomei um ônibus de volta para a região do Passeio e naquele sobrado escondido, ofegante encontrei o vazio eterno.
O pouco que restou já não era muito, pois tudo estava revirado, não havia gavetas para minha revolta, pratos para que eu quebrasse, os livros estavam rasgados e nos lençóis o cheiro de medo – ela estava dormindo. Tentei me convencer de que as manchas na fronha não eram de lágrimas ainda jovens pela minha rápida fuga sem ela que me perguntava desenfreadamente:
– What have you got to lose? What have you got to lose?
Mas isso era apenas mais uma das músicas que nos alegravam as tardes. Imagino que quando virei as costas ela até pôs alguma coisa para tocar para embalar seu choro doce. Ou não. Ela não chorou, se manteve firme e quando ouviu os barulhos que vinham da porta esforçou-se para não abrir. Manteve-se firme e me mandou ir embora de vez e para sempre. Porém não era eu. Caio em mim e dou a chorar, pois agora o que é que me resta? Fugir mais uma vez?
A clandestinidade jaz no meu coração.

Um comentário:

Andre de Lemos disse...

bonito... adorei a última frase: "A clandestinidade jaz em meu coração". Voltei meu caro... voltei e espero ficar!

Abs,
Andre