terça-feira, 30 de junho de 2009

Um pouco de todos nós

Daqui um pouco,
Um pouquinho só, eu diria
Estaremos todos sós
Eu, meu pai e eu
Mais mãe.
Pois quando se está acima das nuvens
Quando se vê lá de cima do céu
Um pedacinho de tudo é
Que é um pouco menos que eu
A gente percebe que a vida
Que a vida do mundo morreu.
Já que a cada sopro do vento
É um vendaval que nasceu.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

“O culpado dessa merda é você! Quem financia essa merda é você...!”

Não. Ao contrário do que possam pensar os desavisados de plantão, não falarei sobre cinema ou afins. Tampouco, a presença da paráfrase do conturbado personagem Capitão Nascimento do, não menos conturbado, Tropa de Elite, é para que eu fale hoje sobre um fenômeno que a arte em todos os seus âmbitos produz: ídolos e, conseqüentemente, mitos.
Pegarei carona na calda de cometa e mesmo um tanto atrasado falarei do finado da vez: Michael Jackson! Claro que eu poderia reservar um espaço para a belíssima Farrah Fawcett, uma das Panteras originais, que faleceu no mesmo dia 25 de junho de 2009 do King of Pop (não há dúvidas sobre o título), mas o aço brilha no escuro.
A questão, entre tantas, que muitos tentam responder é: o que levou Jackson ao fim? O tempo, diria o velho. O dinheiro, diria um pastor. As drogas, o puritano... Eu digo que foi você! De certa forma, eu também. Apesar de nunca ter comprado um disco do artista e, muito menos, ter pertencido à geração que ele cativou com passos como o moonwalk. Sim, sim, joguei no Megadrive o jogo que era fruto do filme, etc. Mas sem hipocrisia não me considero influenciado pela atuação do homem que revolucionou muita coisa no meio do entretenimento.
Foi você! E somos nós que financiamos essa merda! Calma, calma, não estou dizendo que a arte é uma merda! Opa, de maneira nenhuma! A arte é necessária, afinal, o que seriamos nós sem a arte? Sem uma forma de expressarmos de maneira material o que sentimos? Seja com palavras, sons, imagens, enfim, a arte é necessária! Mal é o que fazemos com aqueles que se arriscam a expressá-la.
Mal foi o que fizemos com o Michael Jackson. Não, não foi ele quem se deteriorou, fomos nós que o deixamos a mingua. É engraçado conversar com uma pessoa que é fã de algo ou alguém. É engraçado mesmo. Pois a pessoa não consegue ver além de um palmo do seu nariz.
Ele mudou a minha vida... ouvi isso um dia depois dele ter morrido. Retruquei: mudou no que? Te fez melhor?! Claro, claro, ele era um gênio... para finalizar, simplesmente, perguntei: Você tem algum disco dele? Comprou alguma coisa dele? A resposta vocês devem imaginar... Lógico, para tudo há justificativas. Mas a frase da conversa, se é que foi uma conversa foi, após um comentário meu de que não precisava dar tanta repercussão a morte dele, pelo menos equilibrar com outras notícias como: “Cresce o número de casos da nova gripe no Brasil” ou “Mais um escândalo no Senado...”: Ele era um artista, ele era diferente!.
Meu Deus! É verdade, ele era diferente, eu sou diferente. Você aí do outro lado, você faz o que da vida? Você é gari? “Ah, você não é importante não...”. Você participou durante semanas do resgate de corpos e destroços do vôo da AirFrance? “Caiu algum avião?”.
Pois é, é da natureza do ser humano colocar outros seres em pedestais, como que acima do bem e do mal, das leis da física. Isso é histórico. Filosófico. Metafísico e sei mais lá o que!
Você nasce com um dom e pronto: fudeu! Mas tem a sorte também, né? O garoto joga um futebol ali na rua e pronto: fudeu! É sua dádiva e sua maldição. Uma coisa bem resumida no Homem-Aranha.
Eu realmente, sinceramente, não acho que idolatrar outro ser humano como eu seja a saída para os problemas do mundo, ao contrário...
Michael Jackson, o que aconteceu com Michael Jackson, é a triste conseqüência de uma realidade que cerca as pessoas que possuem um simples talento. Se você é médico, professor, gari, sim, você também está sujeito a isso, talvez, em proporções menos desastrosas, mas está!
Uma vez falei por aqui sobre o Sr. Jackson (http://oventriloquo.blogspot.com/2008/10/o-que-um-padro-de-beleza.html) e só agora me dei conta que a calda de cometa que peguei hoje, eu já havia agarrado um tempo atrás! Nossa! Eu sou um gênio... Fala sério!
Ao som, no inverno carioca, do ótimo disco Durante o Verão, do grupo A Barca do Sol, no último dia de minha rápida visita ao Rio de Janeiro...
Não estou dizendo? É você, é você... é você quem financia...

Abraços

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Memória olfativa

Sempre se sentiu atraído por cheiros. Cheiros diversos. Não fazia muita distinção entre os maus e os bons. Por esse motivo, sempre respirava fundo ao chegar ao lugar que fosse.
Quando criança, gostava de correr de manhãzinha pelos matagais do morro, fazer fecharem-se as dormideiras e, às vezes, até perdia a noção do tempo, sentado pela manhã, observando o abrir das onze horas. Por conta do gosto pelos cheiros, conhecia todo e qualquer tipo de flor: A sempre-viva, as rosas brancas e vermelhas, os jasmins...
Já jovenzinho, arrumou um trabalho na farmácia da esquina e sua maior alegria foi sua promoção como atendente no setor de perfumaria. Lá conheceu Maria.
O frescor do seu cheiro o hipnotizou. Era uma mistura de Leite de Rosas, com uma colônia que ele não sabia discernir.
Ele estava abaixado, quase de joelhos, arrumando a prateleira de fundo, quando aquelas pernas passaram ali. O vento da saia. A brisa da saia. Aquela saia florida. Ele se assustou e repentinamente levantou-se e chocou-se em seus braços – cheiro de Leite de Rosas. Acredito que foi seu primeiro amor.
Não conseguiu ver seu rosto, analisar sua pele, tampouco seguir seu caminhar... apenas um rápido perdão e a rotina do dia o consumiu novamente entre frascos de desodorante, vidros de colônias, perfumes e afins.
Mas foi numa manhã sem sal, dessas de domingo na feira, que em meio aos cheiros das barraquinhas de frutas e legumes, seu olfato enxergou aquela que seria o seu mais possível amor, a cura para sua solidão.
Vestida como pede um dia quente de outono, com uma camisa branca de alças que davam para observar parte das costas e o pescoço, uns fios finos de cabelos escapavam ao coque armado e que permitia ver um rosto fino com traços leves e alegres: lá estava ela.
Mas a imagem não lhe dizia nada. Pois o que lhe importava era o cheiro e o dela era convidativo, uma mistura perfeita de Água de Banho, que realçava o frescor da manhã de um sol que durante o dia prometia esquentar gradativamente. Um frescor que se misturou ao agradável cheiro de louro que ela acabara de escolher.
Quando parou ao seu lado na barraquinha, seus ombros se encostaram e ele pode sentir um suave frio na barriga e ao perceber o frescor leve de sua pele, comentou meio sem pensar: Louro me lembra o cheiro do feijão fresco, não é verdade? Aquele cheiro de feijão sendo refogado com alho e sal. Ela sorriu. Não se pode afirmar que sorriu pelo galanteio sem muito fundamento ou pela espontaneidade do pobre rapaz.
Mas dali foi um caldo de cana e pastel. Uma história sobre uma bela maçã. Uma sensual mordida num pedaço de melancia, algo que se tornou calorosamente pueril enquanto ela tentava manter em seus finos lábios a poupa leve e vermelha da fruta. Um sorriso sem graça. Acanhadamente sem graça.
A feira já se aproximava do fim...
Quase toda feira desemboca numa praça, como um funil de vida desemboca numa praça. Lembro-me certa vez quando passei um dia, um sábado, talvez, não me lembro por uma numa ruazinha perdida da Urca... Eles desembocariam, também, numa praça...
O ônibus chegou disse ele meio triste e sem graça por transparecer em suor as palavras que no fundo queria dizer. Eu não pego ônibus, moro a um quarteirão daqui... Caminharam conversando sobre as árvores que ladeavam a Rua Tomás Cercano transformando-a num belo quadro de Monet. Foi o que ela disse e ele não entendeu, afinal, sua visão era o olfato e seus sentimentos transpiravam paixão, ele só conseguia olhá-la de lado e suspirar o cheiro do louro que ela carregava embrulhado em seus braços. Creio que ele pensava até onde iria seu medo de não conseguir dizer o além dos gestos.
Chegamos disse ela com um sorriso. Podemos nos ver dia desses para continuarmos essa agradável conversa sobre essências e perfumes? questionou num tom amigável e ele encabulado e desajeitado respondeu que sim ao lhe entregar o saco com tomates. Bom domingo. Para você também despediu-se ele sem ao menos perguntar-lhe o nome. Coisa possível de acontecer, pois me recordo bem de que comigo é o inverso, não me importa que me digam o nome ou sobrenome por não saber que cargas d’águas, sempre esqueço. Por isso, em conversas de banco, de praça, de ônibus ou fila de caixa de mercado – nunca pergunto sua graça.
A semana correu como corre um relógio de cordas, ora rápido, ora lento e atrasado. Ele esperava cada segundo de seu tempo para ir novamente à feira da Rua Ernesto Piccolo. Deixou até faltar laranja, fruta que tanto amava e adorava o cheiro de manhã, só para não voltar o caminho da Tomás Cercano com as mãos abanando ou apenas com as frutas e legumes frescos que ela compraria aquele sábado. Ela não foi à feira.
Penso que em sua cabeça um misto de decepção e tristeza uniram-se de maneira uniforme como, por exemplo, quando esperei que você me dissesse aquilo e ouvi aquilo outro. Foi um domingo sem graça aquele, o dele. Logo o inverno chegaria e lá se vai o outono e ele realmente se foi, pois há coisas que não podemos evitar ele pensou enquanto voltava caminhando pela Travessa Borges Galeano.
Durante um mês, um mês e pouco, ele caminhava todo domingo pela manhã e esperava até a xepa da feira na esperança de encontrá-la, de sentir seu cheiro fresco. Imaginava que a veria com roupas mais pesadas, fechadas, mas, que mesmo assim, não tirariam a beleza de seus cabelos negros e cacheados. Ele não a viu. Coragem lhe faltava, já que sabia onde ela morava. Porém, coragem é uma virtude engraçada, assim como quando pequeno eu fui picado por um marimbondo e nunca mais pude chegar perto de um, ou então, quando ligando a tevê tomei um grande choque e desde então estou sem televisão.
E foi assim o inverno inteiro. Os cheiros se tornando mais fortes, uns insuportáveis pela compreensível necessidade de não se lavar costumeiramente os casacos, ou mesmo, no caso de alguns, a ponderada prática do banho. O inverno lhe era insuportável, pestilento era o metrô, o ônibus ou até mesmo o cinema na Lobo Júnior. Talvez por isso só saía de casa para trabalhar. Como eu quando fui à França no outono e senti a diferença do Brasil. Na França, aliás, sentiríamos diferença até no pão francês. Não. Modéstia sua perguntar!
Lá vai ele, sem saber por que esperando o cheiro do amor, dizem que um dia até encontrou, mas, por um sei lá o quê de falta de jeito ficou apenas na memória, na sua boa memória olfativa.


25-01-09/ 19-06-09

terça-feira, 2 de junho de 2009

Três reflexões sobre partida e chegada


Filosoficamente, diria eu, chegar e partir são, praticamente, sinônimos. Termos oriundos de, no fundo, no fundo, uma mesma prerrogativa. Uma fórmula poético-musical já utilizada por Milton Nascimento, para citar apenas um artista: “O trem que chega/ É o mesmo trem da partida/ A hora do encontro/ É também despedida.”, define bem o que quero dizer.
Não que eu seja adepto aos círculos viciosos, ou séries de repetições, esse não é o caso, além do mais, estaria eu renegando minhas próprias convicções acadêmicas. Não. A História não se repete. Apesar do grande Marx, talvez, de forma poética, ter definido, belamente, a tal possibilidade de repetição – não iremos a ela.
As três reflexões que exponho a partir de agora são frutos de um momento específico, dentro de uma tessitura de tempo difícil de se definir como passado, presente ou futuro. Possivelmente, por tal indefinição temporal, decidi optar por três e não quatro ou vinte reflexões sobre partida e chegada.
Há alguns dias, comprei uma passagem só de ida para Aracaju. Datada para o dia 24 de maio de 2009, tal passagem pressupõe que demorarei algum tempo, um bom tempo para voltar ao Rio de Janeiro. Na verdade, estou deixando o Rio de forma definitiva. O engraçado é que nunca me senti “carioca” e, a bem da verdade, não o sou, já que “carioca” é quem nasce na cidade do Rio de Janeiro, sendo assim, sou o que chamam de “fluminense”.
Geografias à parte, a questão é que nunca me senti carioca não por definições geográficas, mas por ter sobre a cidade do Rio de Janeiro um olhar estrangeiro. Complicado isso. Mas, essa é uma reflexão sobre a partida e chegada: toda cidade que visite meu peito traz a mesma sensação da que tenho quando vou ao centro do Rio de Janeiro para estudar, pesquisar ou passear.

Mesquita/Rio de Janeiro, 19 de maio de 2009

(....)




A primeira reflexão sobre partida e chegada foi “pensada” enquanto eu estava no Rio de Janeiro, de certo modo, vendo a formação do furacão. O tempo passava ágil, não me despedi de todos os amigos e parentes que eu queria me despedir – são coisas da vida.
Há uma semana e dois dias, pisei no solo sergipano com duas malas e uma mochila – isso foi tudo que tinha que trazer. Umas sete caixas com livros chegaram antes de mim na rodoviária via transportadora e enfrentaram uma viagem de trinta horas que não tive coragem de experimentar.
Assumi como professor assistente as cadeiras de História Medieval I e II na Universidade Federal de Sergipe. Encontrei um clima bom, bons profissionais e fui muito bem recebido. Mas não é sobre profissão que minha voz se expande hoje. Continuo com o propósito de tentar refletir sobre partida e chegada. Eis então minha segunda reflexão sobre o tema...
Estou morando temporariamente com um amigo, também professor da UFS, somos de áreas diferentes – ele é professor de Educação Física – porém temos muitas similitudes que eu poderia listar um livro inteiro, mas a maior delas está no valor dado à família, ao amor que só encontramos num irmão, num pai e numa mãe – família.
Talvez você agora esteja se questionando o que família tem haver com partida e chegada. Muita coisa. Mas o elemento central é a saudade. Nesse caso o leque se abre mais, pois saudade de casa engloba muita coisa. Afinal o que é saudade?
Saudade é o elo maior entre a partida e a chegada. A saudade te faz ir e vir, ou seja, partir e chegar.
Certo dia, parados os dois na cozinha do apartamento, demos de conversar sobre esse sentimento necessário à sobrevivência de retirantes intelectuais como nós. Meu amigo já está aqui em Sergipe faz três anos, eu não estou nem três semanas e alguns problemas que ele teve eu realmente não estou tendo, o primeiro deles é o fato d’eu tê-lo como amigo e franciscano ao me dar morada e o que comer. Claro, sem contar as mágicas e o ótimo blog que ele atualiza de quando em quando (http://comediaemblog.blogspot.com/).
Nosso principal assunto foi justamente saudade. O acostumar-se com ela de uma forma boa e necessária. Lidar com esse sentimento sem que ele nos faça largar tudo e simplesmente partir para chegar de volta no lugar, na terra que deixamos um dia.
Sentimento nobre. Segundo definição dele, sentimento que só sentimos pelo que foi bom, necessário, que nos traz boas lembranças: saudade.
Ontem chorei, chorei sem ter falado com meus pais, com Ana, apenas chorei à noite, em silêncio. Como um nó no peito. Um choro bom de saudade. Um choro bom de partida e chegada...
Aracaju/Sergipe, 2 de junho de 2009 – 17:20

Ps. Logo, logo encerro o tópico com a última e definitiva reflexão sobre chegada e partida...