domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um texto para ser lido: Sábado, madrugada. 27 de fevereiro de 2010. 03:34 AM

Você agora que está lendo este texto, saiba você que eu existo. Tenho minhas pretensões e sonhos. Alguns poucos amigos e muitos colegas. Admiro dois ou três artistas. Sempre fui fã do Michel Melamed. Quando criança queria ter um açougue. Acabei me tornando professor de História. Gosto de falar bobagens. E você que me lê agora, saiba que já é madrugada. Minha mulher dorme no quarto tranquila. O silêncio repousa em nosso apartamento alugado. Não sei quantos metros quadrados. Saiba você, que me lê agora, que este texto escrevi com as pontas dos dedos e mexendo meus lábios. Eu tenho nem sei quantos discos do Chico. Sou um jovem afetado pelo tempo. Prefiro Lp’s e vitrola à Cd’s e maquinarias que eu não entendo. Cultivo um sorriso sombrio, mas sempre que posso dou esmolas. Não falo mal dos outros, mas também não me contento em engolir o que sinto ou não sinto. Me relaciono bem com a família. Tenho saudade de um primo. Já não sei quem são meus amigos de outrora. Já fumei escondido. Já cabulei aula na escola. Já tentei suicídio. Já fui traído por duas namoradas, não sei se trair eu consigo. Sou vingativo, confesso – mas todos tem seu limite. Um dia mentiram para mim. Não sei se sou a favor da pena de morte, tampouco com o fim do trema. Procuro não entrar em contendas, mas se entro chego a perder quem se diz meu amigo. Estudei inglês na escola, não sei se dele preciso. Estudei francês e escrevi com ele poemas que agora já não estão mais comigo. Você agora que está lendo este texto, saiba você que eu existo. Aprendi espanhol num curso que tem como slogan “é assim que se fala”. Até hoje ninguém habla comigo. Sou brasileiro nato. Nascido. Saiba você que é madrugada. Minha mulher dorme um sono tranquilo. O silêncio repousa no meu escritório, ouço apenas pequenos ruídos: pássaros noturnos, o pingo do ar-condicionado do apartamento de cima, os carros na avenida em intervalos imprecisos. Sou brasileiro. Pago minhas contas em dia. Classe média. Tevê a cabo. Internet banda larga. Telefone com mil minutos de inter-urbano gratuito. Faço as compras do mês. Refaço no mês seguinte. Acordo sem um sorriso. Escova de dentes Oral-B a marca mais usada pelos dentistas. Bochecho Listerine. Cuspo só amanhã. Apesar de tudo não tenho sono. Tenho saudade daquelas manhãs. Tenho um pai. Tenho uma mãe. Eles tem um filho único. O silêncio repousa nos meus ouvidos. O MSN está aberto: o mundo é virtual em todos os sentidos. Quatro contatos on-line: Um ocupado e três ausentes. Não sei se há nisso um sentido. Acendo um incenso que ganhei de um amigo. Ouço portas se abrindo e fechando – são os vizinhos. Saiba você que está lendo este texto que o mundo não gira sozinho. Há uma força que agora me falha a memória: não sei explicar. Não lembro o nome da minha professora de Ciências da sétima série. Poderia listar nomes. Mas eu sei que você que está me lendo agora não tem motivos. Este texto sombrio ou... Márcia, Matemática. Rita, Português. Helayne, Geografia. Dona Elza, História. A professora de Inglês era novinha e gostosa, uma bunda durinha. Foi o ano que eu mais aprendi. Ela gostava de Guns N’ Roses e tinha paciência comigo. Fiquei traduzindo Patience todo um domingo. Não existia naquela época Vagalume ou Letras ponto mus. Um dia a encontrei no shopping: ela havia envelhecido. Eu também. Paola, Educação Física. Artes, Dona Neuza. Ficava sentada fumando. Temo em dizer que não era formada na disciplina, apesar de caro o colégio. Acho que tinha diploma de Matemática. Da sua matéria só lembro da brincadeira do compasso: “compasso de onde você veio...”. Gostava de criticar as meninas da minha sala que teimavam em encurtar as saias do uniforme. Sua filha engravidou num baile funk. Todos temos segredos. Fui eu quem colocou taxinha na cadeira do Sandro. Dei aula muitas anos depois para o seu irmão. Todos temos segredos. Me entristece lembrar que disse a alguém que não me lembro: eu não gosto de você. Ser sincero demais não é certo. Você que está lendo este texto. Saiba você: eu existo. Não sou mau. Eu era apenas um menino. Sou brasileiro. Casado em comunhão de bens que não tenho. Meu apartamento na Zona Sul é alugado. Não tenho filhos. Não estou drogado. Não sei se sou a favor da maconha ou do fim do Senado. Esse ano eu não voto: justificável. Não mudarei o meu título: ainda amo meu estado. Não sofri maus tratos quando pequeno. Nem tive infância sofrida. Também não fui mimado. Saiba você, que me lê agora, que este texto escrevi com as pontas dos dedos e mexendo meus lábios. O reli três vezes e pensei: é ou não publicável. Tenho uma carreira acadêmica. Título de mestrado. Daqui a poucos anos termino meu doutorado: o que me importa? Não junto dinheiro. Quem faz isso é minha mulher. Possuo currículo lattes. Matrícula Siape. Pagos os impostos e não devo ao Leão. Gosto de caminhadas longas. De sim ou de não. Não suporto mudanças. Tampouco talvez. Até hoje ninguém habla comigo. Je suis... não sei. Jesus, amém. Saiba você que leu este texto: eu existo. Não é pretexto. Você não chegou até esse ponto da linha. Não leu essa última frase na qual eu parei... pensei... pensei. E te agradeci.

Ps. Deixe seu comentário abaixo e feche a porta quando sair.

2 comentários:

Andre de Lemos disse...

Prezado amigo... Não sei nem como redigir as linhas que se seguirão tamanha a vergonha que sinto por estar em falta com vc.

Primeiro sumi do universo blogger por uns tempos, a qualificação se aproxima e eu precisava me concentrar no material.

Depois seu casamento que, infelizmente, não pude ir. Calhou de no dia anterior ao seu casório ter rolado o casamento de um cara que eu considero mais que um irmão e eu fui padrinho dele. Quer dizer, no dia seguinte eu não era ninguém. Bebemos tudo e fechamos a casa... chegueui trêbado na casa dos meus pais às 5 e meia da matina e capotei. Espero que vc compreenda... Saiba, contudo que eu levantei um brinde a vc e sua amada e fiquei e (sou) muito feliz por vocês. Desejo toda a alegria do mundo a vocês, um pouquinho de sofrimento, para não acharem que a vida é um conto de fadas (mas nada grotesco, em proporção de 1% desgosto, 99% só alegria, rsrsrs).

:)

Enfim, demorei para responder por pura e simples vergonha. Estou na dívida com vc e não me perdôo por isso.

Quanto ao seu texto de hoje (domingo), são palavras fortes, pensamento errante, desamarrado. Elucubrações alcóolicas, por ventura? Se não, bem que poderiam ser. Já me vi tendo alguns arroubos verborrágicos ou verborralcólicos... Nem sei mais. Claro que não com o seu estilo e marca registrada, que vou aprendendo a reconhecer.

Bom, ainda que afastado estive escrevendo. Nada leiterário, talvez, algo mais ou menos literal, empírico (eeeecccaaaa!), teórico, enfim... Pelo menos as palavras ainda me acompanham. Percebo que a vc também.

Nessa caminhada esbarramos em leitores que às vezes nos brindam com escritos sobre a forma como leram. E isso é alimento suficiente para almas como as nossas.

Sendo assim, agradeço seu comentário sobre aquele texto "meio lisérgico" (nunca tomei ácido, juro!) sobre "flores"... hehehe...

Finalmente, deixo um abraço sincero e mais votos de felicidades ao jovem casal na nova casa, na nova terra, na nova vida.

Um beijo no coração,
A.

G. Alvaro disse...

Comentário grande pra caralho esse aí em cima. Fiquei até com vergonha...

Simples, só entende isso quem viveu. Só quem estudou com as MESMAS PROFESSORAS, inclusive a gostosa da fernanda.

Ai ai ai... Brunin, historiador viadin, que falta você faaz nesse rio.

Enfim, não tenho as palavras verbivomíticas do companheiro aí em cima, mas o pouco que falo é de coração e do caralho!

e tenho dito.


(pau no cu do falador)