segunda-feira, 26 de abril de 2010

A dicção da vida

O maior problema não é ser, é estar. Por isso, quando digo que sou, não estou dando sentido ao que não pode ser. Ao que não existe. Pois existir, por si só, já é palavra que não entendo. Assim, sumo. Pois sumir é mais que verbo transitivo direto. É esquecer em lugar que não se tem lembrança e é assim que eu quero que fique: no esquecimento. Pois, vovozinhas somem. Pardais voam. Encontram casa. E o saquinho de São Cosme e Damião fica lá na lembrança das ruas do subúrbio. Assim, o morro que desceu será esquecido. A rua que transbordou será deletada da sua lembrança. Cada lágrima. Cada grito. Essa é a dicção da vida. A cadência do bumbo do peito ou do repique do tamborim. O ronco malandro da cuíca se mistura ontem com o cheiro de terra molhada por chuva de verão. Aqui e lá. Lembrar é um esforço necessário. Mas que inexiste, já que some. Então são feitas estátuas. Homens de bronze. Escrevem-se certidões de nascimento, óbito, casamento, documentos que se perdem com a água que desce da colina. Feito e desfeito. Tudo some, eis que o verbo é transitório. A cada lágrima e em cada grito, o maior problema não é ser, é bestificado ficar.

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