Quando menino, os
muitos pés de manga do meu quintal não tinham o sabor adocicado e o cheiro
tentador das mangas que brotavam no mesmo ritmo no quintal do Seu Murilo. Cercada
por arames farpados meio enferrujados e com muitos fios de cabelos de todas as
cores presos em suas emendas, a grande propriedade do finado ficava abaixo do
campinho da meiuca do morro em que morávamos, em Mesquita. Morávamos, já não
moro mais e da minha infância, apenas o Leandro Cabeça, o Waguinho e o filho do
Cunha (não o deputado) continuam de pé. O resto foi morto em confrontos com o
tráfico rival, com os justiceiros ou com a polícia. Naquela época não havia
milícia como conhecemos hoje.
Seu Murilo,
evidentemente, ficava puto, como ficava meu pai – talvez menos que o Seu Murilo
– com os moleques que tinham pés de fruta em casa, mas, assim como eu, eram
tentados a roubar as frutas do nosso quintal. Aliás, nunca entendi muito bem
porque nunca gostei muito das frutas do meu quintal. O que mais estressava meu
pai e meu tio não era o “furto”, eram as bambuzadas que derrubavam as frutas
verdes. Me lembro dele gritando: “Pede, porra. Pede que eu deixo pegar”, todo
sábado e domingo era isso. Papai não entendia: a graça era pegar sem pedir e
correr o risco de tomar uns cascudos do dono do quintal.
O moralismo
tupiniquim é tão malfazeiro, tão capenga que é difícil conversar sobre. Não
importa quantas bundas você veja na televisão, não importa toda a miscigenação
(visando sempre o branqueamento, é claro), não importa que a priminha dê um
pulo com o priminho no motel isolado, mas que todo mundo sabe onde é, não
importa antes do diploma quantos foram os seus bombons furtados na loja de
departamento, sempre teremos na ponta da língua uma explicação plausível para
os nossos atos e uma fundamentação perfeita para a reprovação dos mesmos atos
quando cometidos por outras pessoas.
Eu queria ir um
pouco mais longe, mas ainda sou moralista demais para dizer algumas verdades.
Ah, ah aquela mesa de botão apodrecendo que foi roubada certa noite do porão da
casa do...
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